Entendendo a Reabilitação Criminal

January 22,2022 Post By: Werbevan Castro


RESUMO

O presente artigo tem por objetivo apresentar um instituto pouco conhecido pelo senso comum que é a Reabilitação Criminal, mas que em sua essência é de extrema importância para a proteção dos direitos fundamentais daquele que um dia foi condenado e que, após seu cumprimento, requer que seja “apagada” de sua ficha de antecedentes criminais o crime cometido. É evidente a discriminação sofrida por um ex-presidiário e a clara exclusão social que o mesmo sofre, contudo a reabilitação criminal vem somar e fazer cumprir uma das principais garantias constitucionais que é a dignidade da pessoa humana.

Introdução

O princípio da Dignidade da pessoa humana está disposto no artigo 1º, inciso III da Constituição da Republica Federativa do Brasil que dispõe “constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana;”

Antes de conceituarmos o instituto da reabilitação criminal, faz-se necessário percebermos que a principal garantia constitucional que é a dignidade da pessoa humana, quando abordada, inúmeras vezes é tratada de forma equivocada ou sem a devida profundidade que a ela compete. Não há dúvidas que o motivo se dá a extrema complexidade que esse tema compreende.

Ao analisarmos a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, nota-se que já em seu preâmbulo houve uma preocupação em explicitar o sentido do princípio:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo [...] Considerando que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres e se declaram resolvidos a favorecer o progresso social e a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla;

Apesar da dificuldade no conceito, Sarlet (2001, p.60) define com maestria:

[...] dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humano[...]

Contribuindo com tal afirmação, Piovesan (2004, p.92) diz:

É no valor da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra seu próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, na tarefa de interpretação normativa. Consagra-se, assim, dignidade da pessoa humana como verdadeiro super princípio a orientar o Direito Internacional e o Interno.

Percebe-se que todas as afirmações levam a um denominador comum: a dignidade da pessoa humana é um princípio que norteia uma proposta mínima de garantia para a existência digna, uma vez que é de valor absoluto e irrelativizada, protegendo, portanto, o indivíduo contra as mazelas estatais e desequilíbrio da sociedade.

Conceito de Reabilitação Criminal

A reabilitação criminal é uma ação, desconhecida pelo senso comum, que visa assegurar ao condenado que já cumpriu pena o sigilo dos dados referentes à sua condenação, resguardando assim, seus direitos à igualdade e à intimidade

O grande professor Cleber Masson (2016, p. 505) define de forma clara:

Reabilitação é o instituto jurídico-penal que se destina a promover a reinserção social do condenado, a ele assegurando o sigilo de seus antecedentes criminais, bem como a suspensão condicional de determinados efeitos secundários de natureza extrapenal e específicos da condenação, mediante a declaração judicial no sentido de que as penas a ele aplicadas foram cumpridas ou por qualquer outro modo extintas. Busca reintegrar o condenado que tenha cumprido a pena na posição jurídica que desfrutava anteriormente à prolação da condenação. Tem, portanto, duas funções: (1) assegurar ao condenado o sigilo dos registros sobre seu processo e condenação (caput); e (2) suspender condicionalmente os efeitos da condenação previstos no art. 92 do CP (parágrafo único).

Tal instituto visa que a reinserção na sociedade seja de forma digna, ausente de preconceitos e constrangimentos, possibilitando que a vida em sociedade reinicie com possibilidades reais, dentre outras, de emprego e de integração. Para que isto ocorra, devem ser resguardados em sigilo, dados sobre a condenação do indivíduo.

Requisitos para a reabilitação criminal

Os requisitos para a reabilitação estão dispostos principalmente em dois diplomas legais: No artigo 94 do Código Penal:

Art. 94 - A reabilitação poderá ser requerida, decorridos 2 (dois) anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução, computando-se o período de prova da suspensão e o do livramento condicional, se não sobrevier revogação, desde que o condenado: I - tenha tido domicílio no País no prazo acima referido; II - tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado; III - tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre a absoluta impossibilidade de o fazer, até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida. Parágrafo único - Negada a reabilitação, poderá ser requerida, a qualquer tempo, desde que o pedido seja instruído com novos elementos comprobatórios dos requisitos necessários.

E no artigo 202 da Lei de Execução Penal (LEP), Lei n.7.210/1984:

Art. 202. Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.

Ambos garantem ao condenado o direito de sigilo de passagens criminais quando consultada no âmbito civil. As principais diferenças entre elas é o tempo necessário para adquirir o sigilo e seus requisitos para tal. O artigo 94 impõe o prazo de 2 (dois) anos a partir do dia que sua pena seja extinta mais uma série de outros requisitos, como por exemplo ter morado no País no prazo acima referido, demonstrar bom comportamento público e privado. Já no artigo 202 da LEP, permite-se a reabilitação de forma instantânea, ou seja, pode-se adquirir sigilo das informações para fins civis, assim que extinguir o cumprimento da sua pena.

De maneira teórica, o caráter instantâneo do artigo 202 da LEP acaba quando se trata de efetividade prática, não tendo a eficácia descrita. Muitas vezes o sigilo demora a acontecer e, mesmo quando isso ocorre, ainda há casos de acesso a essas informações ocultas por ente que não diz respeito ao âmbito judiciário.

Entendemos que artigo 202 da LEP, sendo ela uma Lei Especial, não só prevalece sobre o Código Penal, como também é uma lei mais benéfica ao acusado “Novatio Legis in Mellius”, que tem seu respaldo pelo artigo 5º, XL da CF:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

Porém, vale ressaltar que a LEP não revogou o instituto da reabilitação por completo, ele apenas dá a garantia - à pessoa que já teve sua pena cumprida - de que não constarão em registros e folhas corridas a sua condenação e para tal não seria necessário preencher os requisitos da reabilitação do artigo 94 do CP.

CONCLUSÃO

O artigo 5º da Constituição Federal versa sobre Direitos e Garantias Fundamentais, não só assegurando a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, mas também é o eixo da convivência em sociedade e entre indivíduos. Nos casos de sigilo de antecedente quebrado, surge uma inconstitucionalidade do direito de igualdade do indivíduo e também do seu direito à intimidade, à honra e à preservação da imagem. Em última análise, até mesmo a liberdade acaba sendo ferida, afinal, a sociedade recrimina, repudia e isola o ex-condenado que fica constrangido de se apresentar em determinados lugares. Intimidade sempre desigual com os outros indivíduos devido sua passagem penal, que gera preconceitos com o condenado para fins civis gerais, principalmente para a procura de empregos, o ápice da reintegração social, que é prejudicado pela quebra de sigilo.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição Federal de 1988. Brasília, DF: Senado, 2002.

BRASIL, Decreto-2.848, de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal. Brasília, DF: Senado.

BRASIL, Lei Nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasília, DF: Senado.

Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: https://www.oas.org/dil/port/

1948%20Declara%C3%A7%C3%A3o

%20Universal%20dos%20Direitos%

20Humanos.pdf.

Acesso em: 02 de março de 2020.

MASSON, Cléber. Código Penal Comentado. 4ª ed. Rio de Janeiro. MÉTODO, 2016.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos, O Princípio da dignidade da pessoa humana e a Constituição de 1988, 2004

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

 

Fonte: https://werbevan.jusbrasil.com.br/artigos/1146954455/

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